Transcreveremos
alguns extratos do Segundo Tratado sobre a Sociedade Civil, e ressaltamos que as
citações à obra de Locke serão feitas aqui segundo a designação por parágrafos
(e não por páginas), já que esta é a forma de referência internacionalmente
conhecida e presente em praticamente todas as edições e traduções do Segundo
Tratado sobre o Governo. Cada parágrafo encontra-se numerado e a referência é
feita com remissão à paragrafação (e não à paginação de cada edição).
3. Por poder político, então, eu entendo
o direito de fazer leis, aplicando a pena de morte, ou, por via de conseqüência,
qualquer pena menos severa, a fim de regulamentar e de preservar a propriedade,
assim como de empregar a força da comunidade para a execução de tais leis e a
defesa da república contra as depredações do estrangeiro, tudo isso tendo em
vista apenas o bem público.
4. Para compreender corretamente
o poder político e traçar o curso de sua primeira instituição, é preciso que
examinemos a condição natural dos homens, ou seja, um estado em que eles sejam
absolutamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas
pessoas como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir a
autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade.
6. (...) o homem desfruta de uma
liberdade total de dispor de si mesmo ou de seus bens, mas não de destruir sua
própria pessoa, nem qualquer criatura que se encontre sob sua posse, salvo se
assim o exigisse um objetivo mais nobre que a sua própria conservação. O
“estado de Natureza” é regido por um direito natural que se impõe a todos, e
com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo
todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua
saúde, sua liberdade ou seus bens; todos os homens são obra de um único Criador
todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único senhor soberano,
enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço; (...).
7. (...) cabe a cada um, neste estado,
assegurar a “execução” da lei da natureza, o que implica que cada um esteja
habilitado a punir aqueles que a transgridem com penas suficientes para punir
as violações. (...) E se qualquer um no estado de natureza pode punir o outro
por qualquer mal que ele tenha cometido, todos podem fazer o mesmo. (...).
8. (...) todo homem pode
reivindicar seu direito de preservar a humanidade, punindo ou, se necessário,
destruindo as coisas que lhe são nocivas; dessa maneira, pode reprimir qualquer
um que tenha transgredido essa lei, fazendo com que se arrependa de tê-lo feito
e o impedindo de continuar a fazê-lo, e através de seu exemplo, evitando que
outros cometam o mesmo erro. E neste caso e por este motivo, todo homem tem o direito
de punir o transgressor e ser executor da lei da natureza.
13. (...) não é razoável que os
homens sejam juízes em causa própria, pois a auto-estima os tornará parciais em
relação a si e a seus amigos: e por outro lado, que a sua má natureza, a paixão
e a vingança os levem longe demais ao punir os outros; e nesse caso só advirá a
confusão e a desordem; e certamente foi por isso que Deus instituiu o governo
para conter a parcialidade e a violência dos homens. Eu asseguro tranqüilamente
que o governo civil é a solução adequada para as inconveniências do estado de natureza,
(...).
15. (...) eu afirmo que todos os
homens se encontram naturalmente nesse estado e ali permanecem, até o dia em
que, por seu próprio consentimento, eles se tornem membros de alguma sociedade
política; (...).
Podemos
perceber pelos extratos colacionados que o Estado de Natureza é para Locke, a
fonte dos direitos naturais e a origem do poder político. Em oposição à
tradicional doutrina aristotélica, segundo a qual a sociedade precede o
indivíduo, Locke afirma ainda a existência do indivíduo anterior ao surgimento
da sociedade. Na concepção individualista de Locke, os homens viviam
originalmente num estágio pré-social e pré-político, caracterizado pela mais
perfeita liberdade.
Para
Locke, o estado de natureza é uma situação em que todos os homens se acham
naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhes as
ações e regular-lhes as posses e as pessoas tal como acharem conveniente, nos
limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de
qualquer outro homem.
Prosseguindo
sua caracterização do estado de natureza, Locke ressalta o caráter de equidade
que existe nessa situação: "Um
Estado também de igualdade, onde é recíproco qualquer poder e jurisdição,
nenhum tendo mais do que o outro; nada havendo de mais evidente do que
criaturas da mesma espécie e ordem, nascidas promiscuamente para as mesmas
vantagens da natureza e para o uso das mesmas faculdades, que terão sempre de
ser iguais às outras, sem subordinação ou sujeição".
O estado
de natureza, para Locke, é uma situação de convivência pacífica entre os
homens, segundo o trecho a seguir: "O
estado de natureza tem uma lei de natureza a governá-lo, que a todos obriga; e
a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que apenas a consultam que,
sendo todos iguais e independentes, nenhum deve prejudicar a outrem na vida, na
saúde, na liberdade ou nas posses". Bom frisar que esse estado de
natureza é diferente do estado de guerra em Hobbes, que se baseia na
insegurança e na violência, por ser um estado de relativa paz, concórdia e
harmonia.
Para finalizar, é importante destacar o fato de
Locke considerar a monarquia absoluta pior do que o estado de natureza: "Aquiesço finalmente em que o governo civil é
o remédio acertado para os inconvenientes do estado de natureza, os quais
devem, com toda a certeza, ser grandes se os homens têm de ser juízes em causa
própria, (...), os monarcas absolutos são apenas homens, e se o governo deve
ser o remédio para aqueles males que se seguem necessariamente ao fato de serem
os homens juízes em causa própria, não sendo por isso suportável o estado de
natureza, desejo saber que espécie de governo é esse , e em que medida é melhor
do que o estado de natureza, onde um homem governando uma multidão tem a
liberdade de ser juiz em causa própria, podendo fazer aos seus súditos tudo
quanto lhe aprouver, sem o menor questionamento ou controle por parte daqueles
que lhe executam as vontades, devendo ele se submeter , seja lá o que for que
ele faça , levado pela razão, pelo erro ou pela paixão? Muito melhor será no
estado de natureza, no qual os homens estão obrigados a vontade injusta de
outrém; e se aquele que julga julgar erroneamente no seu próprio caso ou no de
terceiros, é responsável pelo julgamento perante o restante dos homens".
Nenhum comentário:
Postar um comentário